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Especialista alerta que nova lei contra falsificação de bebidas pode gerar punições desiguais

Foto: Duynod / Pixabay
Foto: Duynod / Pixabay

A Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o projeto de lei que prevê tornar crime hediondo a falsificação de bebidas. A recorrência de casos de bebidas adulteradas no Brasil, que já resultaram em intoxicações graves por metanol e até mortes, fez com que o tema ganhasse relevância diante da preocupação com a saúde pública.


O BA071 entrevistou com exclusividade o advogado especialista em Propriedade Intelectual, Direito Digital e programas de combate à pirataria, David Fernando Rodrigues, que faz parte do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello.


David Fernando Rodrigues é advogado e data processing technician com mais de 16 anos de experiência na área de Propriedade Intelectual e Direito Digital, com foco em ações de combate à infração e programas antipirataria.


É pós-graduado em Direito da Propriedade Intelectual (OAB/SP – ESA), em Intervenção Sistêmica (UNIFESP) e em Direito e Tecnologia da Informação (POLI/USP). Atualmente, é vice-coordenador da Comissão de Repressão às Infrações e Antipirataria da ABPI, diretor de Comunicação & Marketing da ASPI, membro das Comissões de Propriedade Intelectual e de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/SP, além de autor de diversos artigos e professor em cursos de especialização na área.


Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

BA071: O que significa, na prática, tipificar esse ato como crime hediondo?


David Fernando Rodrigues: Na prática, classificar um crime como "hediondo" eleva-o ao mais alto patamar de reprovabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Não se trata apenas de um aumento de pena, mas sim de uma mudança substancial no regime de cumprimento da lei penal e processual penal.


Assim, ao ser enquadrada como crime hediondo, a falsificação de bebidas alcoólicas passará a:


  • Não admitir anistia, graça, indulto ou fiança;

  • Ter regime inicial obrigatoriamente fechado, ainda que a pena seja inferior a 8 anos (salvo entendimento posterior do Supremo Tribunal Federal (STF) em sentido mais flexível);

  • Exigir requisitos mais rigorosos para a progressão de regime, que, em regra, só ocorre após o cumprimento de 2/5 da pena para réus primários e 3/5 para reincidentes;

  • Aumentar o rigor da execução penal, inclusive quanto à possibilidade de livramento condicional.


Em síntese, a tipificação como crime hediondo não altera o tipo penal em si (ou seja, a conduta e a pena previstas no Código Penal ou em leis especiais), mas endurece significativamente o tratamento penal e processual dado ao acusado e condenado e, neste caso específico, aumenta a pena imposta.


BA071: Quais impactos a medida pode trazer para a aplicação da lei e para o setor de bebidas?


David Fernando Rodrigues: Sob a ótica da aplicação da lei penal, o principal impacto será o endurecimento da resposta estatal, o que tende a ter efeito simbólico e dissuasório — isto é, busca demonstrar intolerância absoluta do Estado com práticas que colocam em risco a saúde e a vida da população.


No plano prático, porém, a efetividade da medida dependerá da capacidade de investigação e fiscalização. A falsificação de bebidas, especialmente com uso de metanol, costuma envolver estruturas clandestinas e redes criminosas complexas, muitas vezes inseridas na economia informal. Sem uma estrutura de repressão adequada — envolvendo a Receita Federal, as Polícias Civil e Federal, a Anvisa e o Ministério da Agricultura —, o endurecimento penal pode ter alcance limitado.


Para o setor de bebidas, o impacto tende a ser duplo:


  • Positivo, pois reforça a proteção da livre concorrência e da reputação das marcas legítimas, além de reduzir riscos à saúde pública e, portanto, ao consumo de produtos regulares.


  • Negativo, se a fiscalização for feita de modo indiscriminado ou sem critérios técnicos, podendo gerar ônus e insegurança para pequenos produtores artesanais e microempresas, especialmente em segmentos como cachaças, vinhos e licores caseiros.


Em resumo, o impacto desejado é o de reprimir o crime e proteger o mercado formal, mas isso dependerá de políticas complementares de fiscalização, rastreabilidade e conscientização do consumidor.


BA071: Há riscos de insegurança jurídica com a mudança?


David Fernando Rodrigues: Sim, há riscos potenciais, sobretudo se o legislador não definir com clareza quais condutas serão abrangidas pela nova classificação (crime hediondo).

Isso porque, o tipo penal de falsificação de produtos alimentícios ou bebidas (art. 272 do Código Penal) é relativamente amplo e pode abarcar tanto a adulteração dolosa e maliciosa, com risco à vida e à saúde, quanto condutas de menor gravidade, como alterações acidentais ou meramente formais de rotulagem e composição.


A título de exemplo, proponho dois cenários hipotéticos distintos:


  • Cenário A: Uma organização criminosa que, deliberadamente e para maximizar lucros, adiciona metanol (uma substância de altíssima letalidade) a bebidas, distribuindo-as em larga escala e causando dezenas de mortes.


  • Cenário B: O dono de um pequeno bar que, para aumentar sua margem, adultera um uísque de marca famosa completando a garrafa com outra bebida de qualidade inferior, porém, sem adicionar qualquer substância nociva à saúde.


Ambas as condutas são crimes, mas a reprovabilidade e o dano efetivamente causados por estas condutas são incomparáveis. O ato do Cenário B é um crime contra as relações de consumo e a saúde pública, mas equipará-lo ao homicídio em massa do Cenário A, submetendo o pequeno comerciante a um regime penal idêntico ao de um latrocida, seria uma clara desproporcionalidade.


O risco de insegurança jurídica surge se a lei for redigida de forma genérica ("torna-se hediondo o crime de falsificação de bebidas"). Isso obrigaria o juiz a aplicar o regime hediondo para qualquer tipo de falsificação, desde a mais branda até a mais letal, gerando decisões injustas e potencialmente inconstitucionais.


A solução técnica sugerida seria a criação de uma figura qualificada para o crime. Ou seja, o crime de falsificação de bebidas continuaria a existir em sua forma simples, mas a lei criaria uma modalidade específica que seria hedionda. Por exemplo:


"Art. 272, § 1º-B. Se o crime previsto neste artigo é cometido com a adição de substância altamente tóxica ou se do fato resulta lesão corporal de natureza grave ou morte, a pena será de X a Y anos, sendo o crime considerado hediondo."

Dessa forma, a resposta do Estado seria proporcional à gravidade da conduta, garantindo segurança jurídica e focando o rigor máximo da lei onde ele é verdadeiramente necessário: naqueles que atentam diretamente contra a vida e a saúde da população.

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