Após divulgar dados de pessoas com HIV, Prefeitura de Feira pode ser alvo de ações judiciais e intervenção do MP; alerta especialista
- Yuri Pastori

- 22 de set.
- 3 min de leitura

Após a Prefeitura de Feira de Santana divulgar os nomes de pessoas que convivem com o vírus HIV e de outras pessoas com doenças crônicas no Diário Oficial do Município (DOM) do último sábado (20), gerando grande repercussão, este BA071 entrevistou a advogada especializada em direito da saúde e sócia fundadora do escritório Mendonça e Elbachá, Maria Laranjeira Scolaro Mendonça, para esclarecer dúvidas sobre o que pode acontecer com as pessoas afetadas pelo vazamento desses dados.
Segundo a especialista, a divulgação de dados sensíveis de pessoas que convivem com HIV é ilegal e não apenas viola a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas também a Lei nº 14.289/2022, que protege especificamente o sigilo de informações sobre doenças como HIV, hepatites crônicas e tuberculose, configurando, portanto, um crime.
“Com certeza é ilegal. Não só com fundamento na Lei Geral de Proteção de Dados, mas também na Lei 14.289, de janeiro de 2022, que dispõe especificamente sobre o sigilo de informações referentes ao vírus da imunodeficiência humana, pessoas com hepatites crônicas, hanseníase e tuberculose. Essas doenças estão protegidas sob a preservação do sigilo. Então, nenhum dado pode ser divulgado relativamente a elas”.
Cabe ação indenizatória
A advogada destacou que as pessoas lesadas que desejarem podem entrar com uma ação indenizatória. “Essas pessoas convivem com o estigma da doença, então, se se sentirem afetadas na sua intimidade e privacidade, elas têm o direito de ingressar com uma ação indenizatória. Com relação aos valores, vai depender de cada juiz. O magistrado utilizará os critérios legais para estabelecer um valor e seguir parâmetros, inclusive os de consciência, para atribuir a indenização”, explicou.
“Vai depender também, por exemplo, de quem é a pessoa que ajuizou a ação. Se essa pessoa é uma figura pública, exposta, ou um anônimo. Então, há uma série de critérios que serão analisados por cada juiz que receber uma ação como essa”, acrescentou.

A advogada disse ainda que a repercussão nacional do caso pode influenciar a decisão judicial. “Isso impacta na discricionariedade do juiz. Se os dados fossem divulgados somente na cidade de Feira teria um impacto. Se apenas no estado da Bahia, outro impacto. Mas os dados se espalharam rapidamente para o Brasil inteiro. Isso também é levado em consideração na hora de aplicar a sanção ao município e as indenizações”, detalhou.
Logo após a repercussão do caso, o Diário Oficial do Município foi retirado do ar, mas isso, segundo a especialista, não influenciará a decisão judicial. “Se uma pessoa viu ou se 10 milhões viram, não interessa. O dano em si já ocorreu, já fez o efeito que faria. Agora, obviamente, a depender da quantidade de pessoas alcançadas e da dimensão do dano, ele será medido com base nessas divulgações”, esclareceu.
MP pode intervir
Ainda de acordo com Maria Mendonça, o Ministério Público (MP) pode e deve intervir em situações como essa, com base na LGPD e também na Lei 14.289. “Existe uma infração administrativa que pode acarretar em multa. E essas multas são vultuosas em relação ao ente público ou privado que divulgou essa informação. Certamente, o Ministério Público deve direcionar contra o município de Feira de Santana algum processo administrativo sobre o caso”, disse.
O que diz a prefeitura?
A Prefeitura de Feira de Santana instaurou uma sindicância para apurar o vazamento de informações sigilosas de cidadãos portadores de fibromialgia, HIV e anemia falciforme. Os dados foram divulgados por engano na Portaria nº 19/2025 da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob), publicada no Diário Oficial Eletrônico do último sábado (20). O documento tratava da suspensão do passe livre no transporte coletivo urbano, em cumprimento a uma decisão judicial.
A investigação interna busca identificar as causas da falha e possíveis responsáveis, além de propor medidas para reforçar a segurança dos sistemas. O resultado da apuração deve ser divulgado em até 15 dias.
Em nota oficial, a Semob reconheceu a falha, atribuiu o erro a problemas do sistema e informou que uma nova edição do Diário Oficial será publicada com as devidas correções. “A Semob lamenta profundamente o ocorrido e reforça o compromisso da Prefeitura de Feira de Santana com a preservação da privacidade e da dignidade dos cidadãos”, diz o comunicado.















